domingo, 1 de abril de 2012

Fichamento do Texto de Carla Faralli

Segue o fichamento elaborado pela Monitora Juliana de Almeida Furlan sobre o livro "A filosofia contemporânea do Direito" de Carla Faralli. 



A Filosofia Contemporânea do Direito – Carla Faralli

Carla Faralli é de nacionalidade italiana, nascida em 12 de agosto de 1949, professora e estudiosa de Filosofia do Direito da Universidade de Bolonha.

Introdução

A crise do positivismo jurídico

Filosofia do direito contemporânea – 1960-2005 -> época posterior ao Hart.

Juspositivismo – fim do século XIX e início do século XX - teoria que estuda o direito em sua estrutura normativa, independentemente dos valores a que serve essa estrutura e do conteúdo que ela encerra. (3-4)

Positivismo – não vincula o direito à moral

Hans Kelsen – teoria pura do conhecimento jurídico. Conceitos jurídicos universais, desvinculados de aspectos temporais, históricos, culturais...

Filosofia do direito contemporânea – análise de questões de repercussão política e moral em conexão com a filosofia política e moral. (4-5)

Crítica ao positivismo-> Mas o direito não é um sistema fechado e independente: ele é, em relação ao sistema social considerado como um todo, um subsistema que está ao lado - em parte se sobrepondo e em parte se contrapondo - de outros subsistemas (econômico, cultural, político) e o que o diferencia dos outros é justamente a função. E precisamente essa descoberta que evidencia a insuficiência da teoria estrutural e a necessidade de uma "teoria funcionalista do direito", não para se contrapor, mas para complementar a primeira. (9)

Capítulo I – A abertura da filosofia do direito aos valores ético-políticos

Teorias constitucionalistas (1980) -> reconhecimento do aumento da complexidade da estrutura normativa dos sistemas constitucionais contemporâneos, que está ligado à introdução dos princípios e à diferença entre estes e as regras. (11)

Conexão entre direito e moral através dos princípios.

Dworkin e Alexy -> necessidade de desenvolver novas categorias teóricas para compreensão das transformações constitucionais dos sistemas jurídicos.

Inclusão de elementos morais no direito, através dos princípios -> possibilidade de se chegar a decisões baseadas em termos racionais por meio do postulado da coerência e da universalizabilidade das decisões. (13-14)

Democracia não mais vista como deliberação da maioria, mas como sistema baseado em princípios que exprimem os direitos dos indivíduos e têm como pressuposto a ideia de igualdade. (14)

Luhmann (1980) –> sistemas autopoiéticos

Sociedade -> sistema social abrangente - > subsistemas (direito, economia, moral). (18)

Capítulo II - A abertura da filosofia do direito aos fatos

Neil MacCormick –> neo-institucionalismo. Normativismo em sentido realista.

Crítica ao purismo normativo kelseniano. Fatos institucionais.

Realismo na Itália - Enrico Pattaro (n. 1941)-> O direito é uma realidade cultural, social e empírica complexa, de que fazem parte entidades linguísticas (definidas como "diretrizes", evocando Ross) e extralinguísticas (fenômenos psíquicos como as crenças e os comportamentos). (30)

Realismo norte-americano-> O direito é uma permanente criação do juiz no momento em que decide uma controvérsia. Não aceita a ideia de que o juiz toma as regras e princípios como premissa maior.

É possível confrontar o neo-institucionalismo e o realismo normativista com referência aos aspectos ontológico, metaético e jurídico-teórico. Sob o aspecto ontológico, o realismo normativista adota uma concepção monista da realidade que inclui o direito na realidade empírica, considerando-o um fenômeno da psicologia social. (30)

A instituição representa, assim, uma porção de ser que não pode ser concebido da mesma forma que o ser dos corpos físicos ou, ainda, dos organismos vivos: trata-se de uma realidade tipicamente humana, cultural, que é normativamente fundada e possibilitada pela formulação de normas ou regras e adquire significado em relação a estas.(31)

Finalmente, sob o aspecto jurídico-teórico, o realismo normativista é deontologista, isto é, entende que a ideia de dever é essencial ao fenômeno jurídico. MacCormick e Weinberger pensam o mesmo: para ambos um aspecto irredutível do direito é o fato de que este guia as ações. Em particular, em Weinberger a concepção institucionalista do direito se situa no interior de uma teoria de ação particular, formalista e finalista. De fato, ele sustenta que cada instituição tem por base um núcleo fundamental de informações práticas (normas, objetivos e preferências). (31)

Critical Legal Studies – CLS -> Retomando as teorias marxistas, o realismo americano e o desconstrutivismo de Derrida, os expoentes dos CLS sustentam que o direito, bem longe de ser racional, coerente e justo, como o representa o pensamento liberal, é arbitrário, incoerente e profundamente injusto.

Crítica às teorias liberais -> Os direitos e as liberdades, apresentadas como essenciais à realização do indivíduo, são na verdade funcionais aos fins políticos e econômicos do liberalismo (32)

A crítica às teorias liberais é realizada através de três métodos de análise especiais: o trashing, a desconstrução e a análise histórica.

Trashing – desmascaramento da mensagem politicamente orientada encerrada no discurso politico.

Desconstrução – desconstruir o paradigma liberal.

A desconstrução tem, portanto, a tarefa de revelar os elementos reprimidos ou removidos que o discurso jurídico, como qualquer outro discurso, esconde e de reintroduzi-los com finalidade crítica.

A análise histórica ou genealógica - que representa o terceiro método de que se valem os expoentes dos CLS – demonstra que as idéias jurídicas são historicamente dadas, isto é, se justificam no contexto social específico em que nascem e se exprimem. (33)

Feminismo – fases-> 1. O Direito é sexista. 2. O Direito é masculino. 3. O Direito é sexuado

A primeira fase caracteriza-se pela crítica ao direito vigente, que se apresenta como objetivo, racional, imparcial, mas na verdade discrimina as mulheres.

Na segunda fase prevalece a denúncia do direito como intrinsecamente masculino e,  na terceira, a reivindicação de um direito das mulheres. (38)

Movimentos feministas – consciência de gênero e reconhecimento dos valores tipicamente femininos. (41)

Capítulo III - Os estudos sobre o raciocínio jurídico

Desde 1950, manifestam-se críticas sobre o sobre o modelo lógico de raciocínio jurídico próprio do positivismo.

Teoria da argumentação jurídica – Alexy – discurso prático racional geral.

Uma argumentação é correta se, ao ser realizada, respeita determinadas regras racionalmente justificadas. Reconhecer a existência de algumas normas procedimentais que condicionam a argumentação e a interpretação jurídica significa, portanto, poder dispor de uma estrutura indispensável para julgar se uma decisão é correta e não-arbitrária. (45)

->Possibilidade de justificar racionalmente as decisões interpretativas.(47)

A interpretação deve respeitar determinados critérios para que não seja arbitrária.

Teoria da justificação jurídica – Aarnio

Uma decisão considerada justificada deve demonstrar que é congruente com o direito preexistente e que está em harmonia com as disposições jurídicas gerais e com as decisões interpretativas precedentes que pertencem ao mesmo sistema jurídico .

Necessidade das soluções jurídicas serem conformes à imagem de mundo própria de certa forma de vida, isto é, aos valores de justiça substancial próprios de determinada sociedade.

Assim, na perspectiva de Aarnio, uma solução interpretativa pode ser considerada justificada, em última análise, quando é possível demonstrar que ela é compatível com e, em certa medida, determinada pelo sistema axiológico compartilhado, ao menos em suas linhas fundamentais, por certa comunidade de falantes (auditório ideal particular). (48)

Aleksander Peczenik –> direito como fenômeno constituído não só de regras, mas de princípios, fins, valores, e ideais contidos em documentos normativos produzidos por sujeitos diferenciados em virtude de suas funções e de seu tipo de poder. O direito não é uma entidade dada e disponível, mas é, antes, uma construção do operador do direito, que deve encontrar, em relação ao caso concreto, a combinação correta entre fatores diversos.

Com efeito, é através da atividade de argumentação que os diversos componentes jurídicos podem ser identificados e combinados entre si, com relação ao caso concreto. Portanto, uma forma mais ou menos articulada de raciocínio jurídico está implícita em cada uma das principais atividades do jurista. (49).

Racionalidade lógica ->não violação do princípio da não-contradição.

Racionalidade de suporte-> respeito ao requisito da congruência.

Racionalidade dialética -> consenso no grupo social em que ocorrem as transformações.

Raciocínio jurídico racional-> Decisões congruentes com o conteúdo do direito e que
produzam consequências aceitáveis. (52)

Capítulo IV - Estudos de lógica jurídica

Normas -> enunciados condicionais que vinculam certas circunstâncias factuais ("casos" ou "fatispécies") a determinadas consequências jurídicas (soluções). Além disso, as normas são entendidas como expressões linguísticas, portanto como enunciados significantes, isto é, dotados de um significado definido e constante. Consequentemente, a sistematização do direito consiste na solução dos casos genéricos mediante a derivação das consequências lógicas do conjunto das normas jurídicas. Cada eventual reformulação do sistema jurídico segue sempre a identificação e a delimitação dos enunciados de base axiomática.

Com efeito, pode-se dizer que há uma lacuna em relação a um caso quando para este não existe uma solução, isto é, quando não é possível vincular a ele nenhuma consequência. Um sistema normativo é considerado incompleto, portanto, se, e somente se, contém ao menos uma lacuna. (58)

* Diferente do pensamento de Kelsen, que não admite lacunas no direito. O que o direito não proíbe, ele permite.

Problema das lacunas está ligado à natureza da decisão judicial.

O ideal dedutivista, que segundo Alchourrón e Bulygin caracteriza essencialmente a ciência jurídica, nasce de razões tanto teóricas quanto políticas, sintetizáveis em três princípios: 1) o princípio de inevitabilidade (unavoidability), segundo o qual os juízes têm a obrigação de resolver todos os casos que se apresentem na sua esfera de competência (tal princípio retoma evidentemente o da jurisdição obrigatória acima mencionado); 2) o princípio de justificação, segundo o qual os juízes devem justificar as próprias decisões e provar a sua não- arbitrariedade; e, enfim, 3) o princípio de legalidade, segundo o qual as decisões judiciais
devem ser fundamentadas nas leis do Estado. (59)

Tais princípios se acrescentam aos postulados de completude e coerência do sistema jurídico, que podem garantir, juntamente com os primeiros, aquilo que é pressuposto pelo próprio conceito de sistema jurídico, a saber, os ideais políticos de segurança e igualdade formal. Todavia, dado que um sistema é o conjunto das normas, ou seja, dos significados da expressão linguística do texto legislativo, surgem as bem conhecidas dificuldades decorrentes da ambiguidade e da imprecisão intrínsecas à linguagem natural.

Defectibilidade do raciocínio normativo – o raciocínio jurídico se baseia em premissas passíveis de revisão e de que a cada controvérsia jurídica ocorrem confrontos e avaliações que levam a conclusões apenas provisórias, muitas vezes baseadas em indicações limitadas ou até mesmo incoerentes. (61)

O sistema jurídico é, de fato, um produto cultural e, como todo produto cultural, é o resultado da atividade humana que sobrevive aos seus criadores: cada ato normativo produz um efeito sobre o sistema jurídico, "constituindo", ou seja, modificando seu conteúdo. (66).

Capítulo V - Novas fronteiras para a filosofia do direito

Informática, pesquisa no âmbito médico - novas fronteiras para os estudiosos do direito.

A informática jurídica transformou profundamente o cotidiano dos juristas.

No final da década de 60 e início da década de 70, alguns estudiosos de teoria do direito acharam que as metodologias da informática e da cibernética poderiam revolucionar os estudos jurídicos. Porém, logo se percebeu que a informática da época daria uma contribuição limitada e os estudos de inteligência artificial e direito limitaram-se a retomar modelos teórico-jurídicos, procurando dar-lhes uma roupagem computacional. (69 e 70)

Na Itália, os primeiros filósofos do direito a abordar a informática jurídica foram Vittorio Frosini e Mario Losano. Destaca-se sobretudo a tentativa de Frosini de unir informática ehermenêutica jurídica: a informática, de fato, facilitando o processo informativo, permite uma interpretação mais completa e eficaz das normas. Losano – aplicação da informática ao direito. (72-73)

Bioética – 1971 - Van Renssealer Potter – tentativa de utilizar as ciências biológicas para melhorar a qualidade da vida e vincula sua razão de ser à necessidade de formular uma nova ética capaz de garantir a sobrevivência da humanidade mediante um estreito diálogo entre ciências biomédicas e ciências humanas.
A bioética, na verdade, não é uma nova disciplina ou uma nova ética: ela é mais um conjunto de pesquisas,de discursos e de práticas, geralmente pluridisciplinares, cujo objeto é o esclarecimento ou a solução de questões de caráter ético, suscitadas pelas inovações científicas e tecnológicas que tornaram possível agir sobre fenômenos vitais de maneiras há algumas décadas consideradas impensáveis.

Ao lado da bioética, encontram-se temas como preservação do meio ambiente e proteção dos animais.

As reflexões acerca da bioética vão de questões biológicas (quando começa a vida?) a questões filosófico-religiosas, filosófico-jurídicas e jurídicas em sentido estrito.

A exigência de regulamentação jurídica se choca nas sociedades pluralistas contemporâneas com a falta de valores compartilhados, ocasionando o risco de criar limites que refletem apenas os valores morais de uns poucos ou de sufocar com decretos e leis os progressos da ciência. (74-75)

A bioética, segundo D'Agostino, deve ser acompanhada por uma biojurídica, para que o direito ponha limites de liberdade à intervenção do homem sobre a vida. A bioética, como vimos, não se esgota na bioética médica: ao lado desta desenvolveu-se uma bioética animalista, que se ocupa dos animais, e urna bioética ambiental, que se interessa pelas questões vinculadas à relação homem-natureza e pelos princípios que devem regular tal relação. (77) Outra fronteira da filosofia contemporânea do direito – multiculturalismo – presença e convivência de grupos culturais distintos.

O ideal multicultural retoma e coordena ambas as instâncias mencionadas acima, porque visa a proteger e reconhecer as tradições culturais dos grupos presentes nas modernas sociedades pluralistas, mas tal reconhecimento destina-se à proteção da liberdade do indivíduo e da sua possibilidade de desenvolver plenamente a própria identidade. (79)

Segundo esse ideal, o Estado deve preocupar-se apenas em garantir a todos uma disponibilidade equitativa dos "bens primários" fundamentais, que constituem precondições para realizar qualquer "concepção de bem" específica que os cidadãos buscam, na variedade de suas identidades, mantendo-se neutro em termos de afirmação das identidades particulares.

Política do reconhecimento

Para Raz, o Estado liberal, bem longe de ser neutro, deve retomar a função de promotor do bem de seus cidadãos, bem que, como vimos, não é realizável individualmente, separado das comunidades culturais que são as únicas a poder dar um significado, um valor e um reconhecimento à finalidade do sujeito. Daí o papel ativo que o Estado deve assumir para favorecer em seu interior o desenvolvimento harmonioso de diversas culturas. Não mais perceber a sociedade como uma maioria e várias minorias, mas como uma pluralidade de grupos culturais.

A perspectiva multicultural representa, portanto, um desafio para todos, e não apenas para os
filósofos do direito. (83)