Noções sobre pesquisa histórica
Capa do livro ZADIG de Voltaire |
ZADIG
Voltaire
Cão e Cavalo
(...)
Certo dia, passeando na
orla de um bosque, viu aproximar-se um eunuco da rainha seguido de vários
oficiais que pareciam tomados da maior inquietação, e corriam de um lado para
outro como pessoas extraviadas em busca da maior preciosidade perdida.
- Moço – perguntou o
eunuco, - por acaso não viu o cachorro da rainha?
Zadig respondeu
modestamente:
- Creio tratar-se de uma
cadela e não de um cachorro.
- Tem razão, volveu o
eunuco.
- É uma cachorrinha de
caça que deu cria há pouco tempo. Manqueja da pata dianteira esquerda e tem
orelhas muito compridas.
- Viu-a então? – tornou
o eunuco, esbaforido.
- Não – respondeu Zadig,
- nunca a vi e nem mesmo sabia que a rainha tivesse uma cadela.
Justamente nessa
ocasião, por um capricho muito comum da sorte, o mais belo cavalo das
coudelarias do rei fugira das mãos de um palafreneiro para as campinas da
Babilônia. O monteiro-mor e todos os outros oficiais andavam atras dele com
tanta apreensão quanta a do eunuco atras da cadela. O monteiro-mor dirigiu-se a
Zadig e perguntou-lhe se não vira passar o cavalo do rei.
- É o cavalo que melhor
galopa – respondeu Zadig; - tem cinco pés de altura e os cascos muito pequenos;
sua cauda mede três pés de comprimento e as rodelas do seu freio são de ouro de
vinte e três quilates; usa ferraduras de prata de onze denários.
- Que caminho tomou ele?
Onde está? – perguntou o monteiro mor.
- Não sei – respondeu
Zadig; - não o vi nem nunca ouvi falar nele.
O monteiro-mor e o
eunuco ficaram certos de que Zadig tinha roubado o cavalo e a cadela, e
levaram-no à presença do grande Desterham, que o condenou ao knut, e a passar o
resto dos seus dias na Sibéria. Mal havia terminado o julgamento, foram
encontrados o cavalo e a cadela. Os juízes viram-se na desagradável
contingência de reformar a sentença, mas condenaram Zadig a pagar quatrocentas
onças de ouro por dizer que não vira o que tinha visto. Primeiro ele teve que
pagar a multa, e só depois lhe permitiram defender a sua causa, onde falou
nestes termos:
Estrelas de justiça,
abismos de ciência, espelhos da verdade, que tendes o peso do chumbo, a dureza
do ferro, o brilho do diamante e muita afinidade com o ouro: já que me é
consentido falar diante desta augusta assembléia, juro-vos por Orosmade
que nunca vi a respeitável cadela da rainha, nem o sagrado cavalo do rei dos
reis. Aqui está o que me sucedeu: andava eu passeando pelo pequeno bosque onde
depois encontrei o venerável eunuco e o muito ilustre monteiro-mor. Percebi na
areia pegadas de animal e facilmente concluí serem as de um cão. Leves e longos
sulcos, visíveis nas ondulações da areia entre os vestígios das patas,
revelaram-me tratar-se de uma cela com as tetas pendentes, e que, portanto,
deveria ter dado cria poucos dias antes. Outros traços em sentido diferente,
sempre marcando a superfície da areia ao lado das patas dianteiras, acusavam
ter ela orelhas muito grandes; e como além disso notei que as impressões de uma
das patas eram menos fundas que as das outras três, deduzi que a cadela da
nossa augusta rainha manquejava um pouco, se assim me posso exprimir.
“Quanto ao cavalo do
rei, sabei que estando eu a passear pelos carreiros desse bosque, avistei as
marcas das ferraduras de um cavalo, todas colocadas a igual distância.
“Eis aqui – disse comigo – um cavalo que tem o galope perfeito”. A poeira das
árvores, num caminho de não mais de sete pés de largura, mostrava-se um pouco
revolvida à direita e à esquerda, a três pés e meio do centro da rota.
“Este cavalo – tornei a considerar – tem a cauda de três pés e meio, a qual nos
seus movimentos para a direita e para a esquerda, varre esta poeira”. Vi depois
sob as árvores, que formavam um docel de cinco pés de altura, alguns ramos
cujas folhas tinham caído recentemente, e concluí que o animal que as roçara
com a cabeça, tendo, portanto, cinco pés de altura. Seu freio deve ser de ouro
de vinte e três quilates, pois tendo batido numa pedra que verifiquei ser uma
pedra de toque, pude em seguida identificá-lo. Enfim, pelas marcas das
ferraduras deixadas em pedras de outra espécie, deduzi que estava ferrado com
prata fina.
Todos os juízes
admiraram o profundo e sutil discernimento de Zadig; a notícia chegou aos
ouvidos do rei e da rainha. Só se ouvia falar de Zadig nas antecâmaras, nas
salas e gabinetes; e embora alguns magos opinassem que ele devia ser queimado
como feiticeiro, o rei ordenou que lhe devolvessem a multa de quatrocentas
onças de ouro a que havia sido condenado. O escrivão, os oficiais de justiça e
os procuradores foram a sua casa em grande aparato levar-lhe as quatrocentas
onças, das quais apenas retiveram trezentas e noventa e oito para as custas do
processo, além dos honorários reclamados pelos servidores.
Zadig compreendeu que às vezes era perigoso ser demasiadamente sábio, e prometeu a si mesmo não tornar a dizer o que porventura houvesse visto.
A ocasião não tardou a apresentar-se. Um prisioneiro de Estado tendo fugido, passou por baixo das janelas de sua casa. Zadig interrogado nada respondeu, mas provaram-lhe que ele havia olhado pela janela. Por esse crime foi condenado a pagar quinhentas onças de ouro, e ainda agradeceu a benevolência dos juízes, como é costume em Babilônia. “Santo Deus! – exclamou ele para si, - quanto é lastimável ir-se passear a um bosque onde passaram a cadela da rainha e o cavalo do rei! Como é perigoso a gente chegar à janela, e como é difícil ser feliz neste mundo!”
Zadig compreendeu que às vezes era perigoso ser demasiadamente sábio, e prometeu a si mesmo não tornar a dizer o que porventura houvesse visto.
A ocasião não tardou a apresentar-se. Um prisioneiro de Estado tendo fugido, passou por baixo das janelas de sua casa. Zadig interrogado nada respondeu, mas provaram-lhe que ele havia olhado pela janela. Por esse crime foi condenado a pagar quinhentas onças de ouro, e ainda agradeceu a benevolência dos juízes, como é costume em Babilônia. “Santo Deus! – exclamou ele para si, - quanto é lastimável ir-se passear a um bosque onde passaram a cadela da rainha e o cavalo do rei! Como é perigoso a gente chegar à janela, e como é difícil ser feliz neste mundo!”
Imagem e realidade
"O Grito do Ipiranga", obra de 1888 de Pedro Américo
de Figueiredo Mello
O quadro feito em 1888, atualmente no salão nobre do Museu Paulista da USP, é a principal obra do museu e a mais divulgada de Pedro Américo.
O nome original dessa tela é "Independência ou Morte" mas ficou conhecida como "O Grito do Ipiranga".
A tela mede 7,60 x 4,15 m, tratando-se de uma tela retangular que representa a cena de Dom Pedro I proclamando a independência do Brasil. Na tela também aparecem:
- à direita e à frente do grupo
principal, em semicírculo, estão os cavaleiros da comitiva;
- à esquerda, e em oposição aos
cavaleiros, está um longo carro de boi guiado por um homem do campo que
olha a cena curiosamente.
O artista se preocupava em estudar todos os detalhes de seus quadros, como roupas, armas e os tipos físicos das pessoas. Para a produção deste quadro, ele se dirigia freqüentemente ao bairro do Ipiranga para conhecer-lhe a luz, a topografia e outros aspectos.
O GRITO DO IPIRANGA
Pedro Américo de F. Mello (1888)
Pedro Américo de F. Mello (1888)
Uma pintura não é um registro preciso do que aconteceu, mas uma
reconstrução simbólica do real. Pedro Américo mudou a cena para que ela
mostrasse a importância do evento. Para ele, a Independência é o resultado da
ação individual de um herói, e não uma conquista coletiva. Daí a diferença
entre seu quadro e o de Moreaux, que mostra d. Pedro no meio do povo.
D. Pedro não montava um cavalo castanho-escuro, mas sim uma "besta baia gateada" _ou seja, uma mula amarelo-avermelhada (burros e mulas eram o meio de transporte habitual para subir a Serra do Mar). Também não vestia uma farda majestosa, mas uma simples "fardeta de polícia". Não havia um carreteiro no local: foi colocado pelo pintor para representar a população, surpreendida pelo fato.
A Guarda de Honra que está na tela ainda não existia nessa época (foi criada por um decreto de 1/12/1822). D. Pedro estava escoltado por guardas voluntários. O pintor usou fardas brancas para aumentar o contraste entre o bloco dos guardas e o dos civis (que usam vestes escuras), o que traz mais dinamismo à tela. Ele ampliou o séquito do regente e reduziu a tropa para equilibrar os dois blocos de figuras.
A colina onde está d. Pedro dista 405 metros do riacho do Ipiranga. O pintor aproximou os dois locais para colocar o príncipe numa posição mais elevada e, ao mesmo tempo, mostrar o riacho que dá nome ao quadro (bem destacado pelas patas do cavalo). A tela está centrada em d. Pedro: o olhar do carreteiro nos leva diretamente ao regente, que é realçado pela disposição dos guardas em semicírculo.
COMO TUDO COMEÇOU
Há quem diga que Pedro Américo plagiou o quadro
"1807", de Meissionier. O problema é que o brasileiro queria algo
mais imponente que a tela de Moreaux, que destacasse a figura real num momento
em que o Império decaía. Por isso, não tinha muitas opções: precisava colocar
d. Pedro mais à esquerda, numa posição mais alta, iniciando a ação, e a tropa à
direita, reagindo à ação. A estrutura é a mesma, mas composição melhorou. O
brasileiro substituiu os cavaleiros (à esq.) por um carreteiro que olha para d.
Pedro, dando mais unidade ao quadro. O curioso é que o próprio Meissonier viu
uma foto de "O Grito do Ipiranga" no pavilhão do Brasil na Exposição
de Paris, em maio de 1889, e gostou. (MAURICIO PULS)
Friedland
– 1807 - Meissionier
Quadro “Independência ou Morte”- 1844 - Renée Moreaux
Pindamonhangaba na Proclamação da Independência
O célebre quadro do pintor Pedro Américo de Figueiredo
e Mello
Arquivo TN
“Ao romper do dia já lá estava a Guarda postada em
frente ao palacete em que se tinha hospedado S.A., aguardando suas ordens. Não partimos pela madrugada, mas saímos
cedo. Montava D. Pedro uma possante besta gateada, sendo menos verdadeira a
notícia, mais tarde dada pelos jornais de que vinha em ardoroso cavalo da raça
mineira. Em toda viagem mostrava-se
SA., muito satisfeito e expansivo . Trazia a seu lado o padre Belchior, com que
mantinha animada conversação. Já havíamos subido a serra, quando D. Pedro se
queixou de ligeiras cólicas intestinais, precisando por isso apear-se , para
empregar os meios naturais de aliviar seus sofrimentos. Observou-nos então que
melhor seria a Guarda seguir adiante e esperá-lo na entrada de São Paulo, se
antes não fôssemos por ele alcançados. Efetivamente, ali o deixamos, passando a caminhar como havia
sido determinado. Chegando ao Ipiranga, sem que ninguém aparecesse, fiz parar a
Guarda junto a uma casinhola que ficava à beira da estrada à margem daquele
riacho. Para prevenir qualquer surpresa mandei o guarda Miguel de Godoy Moreira
e Costa, que era dos mais moços colocar-se de atalaia em um lugar onde pudesse
descobrir a aproximação do Príncipe, para nos avisar com tempo de nos pormos em
forma e escoltá-lo à entrada da cidade. Tomando esta providência, apeamo-nos e
nos pusemos a descansar, conforme era natural. Pouco tempo, porém, se tinha
decorrido quando vimos chegar, dirigindo-se para o nosso lado dois viajantes
que logo reconhecemos serem pessoas de consideração. Eram Paulo Bregaro,
oficial da secretaria do Supremo Tribunal Militar, e o major Antonio Ramos
Cordeiro, que a mandado de José Bonifácio, vinham do Rio apressadamente,
procurando D. Pedro para lhe fazer entrega de papéis de muita circunstância que
o governo lhe enviava. Não podia este encontro deixar de impressionar a todos,
curiosos por sabermos do que era que se tratava. Apesar, porém, dos repetidos e
importunos pedidos de informações dirigidos aos emissários, na ocasião nada
mais conseguimos saber, senão que ao Rio havia chegado um navio trazendo
despachos das Côrtes de Lisboa, dos quais entendeu o Ministro dever dar conta
imediata a D. Pedro. Isto tudo se passou em poucos momentos, continuando os
viajantes a sua marcha ao encontro de D. Pedro e ficando nós ansiosos por
sabermos do motivo que determinara tanta pressa. Enquanto ali nos demoramos,
formaram-se vários grupos, onde todos faziam suas conjecturas, procurando cada
qual advinhar o que seria. E é preciso
deixar consignado, para honra daqueles rapazes, que embora naquele tempo se
falasse muito em desembarque de forças portuguesas nas costas do Brasil, ninguém
se mostrou assustado. Poucos minutos poderiam ter se passado depois da retirada
dos referidos viajantes e eis que percebemos que o guarda estava de vigia vinha
apressadamente em direção ao ponto em que nos achávamos. Compreendi o que
aquilo queria dizer, e imediatamente mandei formar a Guarda para receber D.
Pedro, que devia entrar na cidade entre alas. Mas tão apressado vinha o
Príncipe, que chegou antes que alguns soldados tivesse tido tempo de alcançar a
selas. Havia de ser 4 horas da tarde, mais ou menos. Vinha o Príncipe na
frente. Vendo-o voltar-se para o nosso lado, saímos a seu encontro. Diante da
guarda que descrevia um semi-círculo, estacou seu animal e de espada
desembainhada, bradou:
- Amigos! Estão para sempre quebrados os laços que nos
ligavam ao governo português! E nos
topes que nos indicam como súditos daquela nação, convido-vos a fazerdes
assim...
E, arrancando do chapéu que ali trazia a fita azul e
branca, a arrojou no chão, sendo nisso acompanhado por toda a Guarda, que,
tirando dos braços o mesmo distintivo lhe deu igual destino.
- E viva o Brasil livre e independente!
- Gritou D. Pedro, ao que desembainhando também nossas
espadas respondemos:
- Viva D. Pedro, seu defensor perpétuo! E bradou o
príncipe:
- Viva o Brasil livre e independente!
- Será nossa divisa de ora em diante - Independência ou
Morte!
- Por nossa parte, e com mais vivo entusiasmo,
repetimos:
- Independência ou Morte! Metendo, então, a espada na
bainha, no que ainda foi acompanhado por toda a Guarda, voltou D. Pedro
rapidamente o animal para a estrada que vai para São Paulo, e a galope lá foi
experimentar as fortes emoções que sua alma de moço devia estar sentindo,
vibradas pela incomparável vitória que acabava de alcançar, vencendo
preconceitos e interesses de família, afrontando a animosidade de um povo de
que estava dependente o seu futuro, só para elevar a nossa pátria à posição de
país livre e independente
Fonte: ESPECIAL 500 ANOS. http://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/dc_6_2.htm
Nenhum dos
dois pintores representou com exatidão os fatos. Pedro Américo, atendendo à
finalidade da encomenda, buscou construir a imagem de um herói guerreiro,
criador de uma nação. Moreaux, talvez pensando nas revoluções de sua pátria,
pintou um líder popular
Os esplendores da
imortalidade
JOSÉ
MURILO DE CARVALHO
(26/12/1999)
Um pintor de
história deve restaurar com a linguagem da arte um acontecimento que não
presenciou e que "todos desejam contemplar revestido dos esplendores da
imortalidade". Assim escreveu Pedro Américo em texto explicativo sobre o
quadro conhecido como "O Grito do Ipiranga", completado em Florença
em 1888 por encomenda da comissão de construção do monumento do Ipiranga. A
tela tornou-se ícone nacional, representação maior da Independência. O texto
descreve o grande cuidado do pintor em reproduzir de maneira exata o
acontecimento. Leu, pesquisou, entrevistou testemunhas oculares, visitou o
local. No entanto, por razões estéticas, teria sido obrigado a fazer mudanças
nas personagens e no cenário a fim de produzir os esplendores de imortalidade.
De início, dom
Pedro não podia montar a besta gateada de que falam as testemunhas. O pedestre
animal, apesar de ter arcado com o peso imperial, teve o desgosto de se ver
substituído no quadro pela nobreza de um cavalo. Com maior razão, prossegue o
pintor, o augusto moço não podia ser representado com os traços fisionômicos de
quem sofria as incômodas cólicas de uma diarréia. Como se sabe, a diarréia fora
o motivo da parada da comitiva às margens do Ipiranga (um irreverente poderia
acusar dom Pedro de ter iniciado a poluição do desditoso riacho).
Ocasião de gala
O uniforme da guarda de honra também foi alterado. A ocasião merecia traje de
gala, em vez do uniforme "pequeno". Finalmente, o Ipiranga teve que
ser desviado de seu curso para facilitar a composição do quadro. O carreiro com
seu carro de bois, segundo o pintor, entrou em cena para dar cor local,
retratar a placidez usual daquelas paragens, perturbada pelo acontecimento. Não
aceitou a sugestão de obter o mesmo efeito com uma tropa de asnos, bicho que definitivamente
desprezava. O que não impediu que seu carreiro fosse mais tarde objeto da
mordacidade de Eduardo Prado, que nele viu o símbolo do povo brasileiro
assistindo espantado à cena insólita.
O que Pedro
Américo não conta é que seu quadro lembrava muito a tela "1807,
Friedland", de Ernest Meissonier, talvez para não reavivar acusação
anterior de ter plagiado a "Batalha de Montebelo", de Appiani, em sua
"Batalha de Avaí". O quadro de Meissonier, pintado em 1875, refere-se
à batalha de Friedland, vencida por Napoleão em 1807.
A semelhança na
composição dos dois quadros é muito grande. Em ambos, a figura central, d.
Pedro e Napoleão, é colocada sobre uma elevação do terreno, cercada por seus
estados-maiores. Ao seu redor, em movimento circular, soldados entusiasmados
saúdam com as espadas desembainhadas. A dinâmica das figuras nos dois quadros
aponta para o centro ocupado pelo príncipe e pelo imperador. Sobressai em
primeiro plano o movimento dos cavalos, cujo desenho exato era obsessão de
Meissonier. Nos dois casos, finalmente, nenhuma ambiguidade quanto ao objetivo
dos pintores: a exaltação do herói guerreiro.
Pedro Américo
também não menciona em seu texto outro quadro sobre o mesmo tema da
Independência, executado em 1844, a pedido do Senado imperial, por
François-René Moreaux, um pintor francês então residente no Rio. Não se sabe se
conhecia o quadro de Moreaux, sem dúvida inferior ao seu em qualidade. O certo
é que as duas telas são antitéticas, como observou Maria de Lourdes V. Lyra.
Moreaux altera mais radicalmente as figuras e o cenário. D. Pedro monta um
cavalo, mas ergue o chapéu em vez da espada. Não está em posição mais alta,
cercado de soldados, mas no meio de gente do povo, de mulheres e de crianças
descalças que ocupam a frente da cena. O clima é de alegria festiva e não de
exaltação patriótica.
Nenhum dos dois
pintores representou com exatidão os fatos, como, aliás, querendo ou não o
artista, sempre acontece. Mas a distorção tinha finalidades distintas. Pedro
Américo, atendendo à finalidade da encomenda, buscou construir a imagem de um
herói guerreiro, criador de uma nação. Moreaux, talvez pensando nas revoluções
de sua pátria, pintou um líder popular, instrumento de um movimento coletivo
que fez a Independência. Duas maneiras de contar a história, duas maneiras de
construir a memória nacional. Ironicamente, Pedro Américo, mais fiel do que
Moreaux ao que acontecera à margem do Ipiranga, estava mais distante do que o
francês do que foi o processo de Independência.
Embora não
tivesse havido no Brasil prolongada guerra de independência como na América
espanhola, houve sangue derramado na Bahia, Pará e Maranhão. No Rio de Janeiro,
foi intensa a participação popular, manifestada sobretudo no episódio do Fico,
quando um abaixo-assinado com 8.000 nomes foi entregue a dom Pedro solicitando
que permanecesse no país. Para uma cidade de uns 150 mil habitantes, em sua
maioria analfabetos, era um número extraordinário.
Desde 1820,
data da revolta do Porto, a agitação na capital era constante. Travara-se o que
o padre Perereca chamou de guerra literária: centenas de panfletos políticos
foram escritos debatendo com paixão os temas do dia: volta de dom João,
permanência de dom Pedro, Independência, Monarquia, Constituição. A aclamação
de dom Pedro em 12 de outubro, ao voltar de São Paulo, e a sagração a 1º de
dezembro contaram com a presença entusiástica de milhares de pessoas no campo
de Santana (praça da República) e no largo do Paço (praça 15). O povo do Rio
não foi o carreiro de Pedro Américo, esteve mais próximo do povo de Moreaux.
Duas histórias
D. Pedro ficou
no Brasil por decisão e a pedido dos brasileiros, povo e elite. Moreaux alterou
o grito do Ipiranga para contar essa história. Pedro Américo o alterou para
contar outra história. Todos os brasileiros conhecem o quadro de Pedro Américo,
guardado no Museu do Ipiranga. Só os especialistas conhecem o quadro de
Moreaux, hoje no Museu Imperial de Petrópolis.
Parece útil
falar dessas duas maneiras de contar a história do país nestes dias de
celebrações, de construção de marcos e monumentos em busca dos esplendores de
falsa imortalidade.
Tendo em vista o Quadro “O Grito do Ipiranga” siga os
seguintes passos.
A) Identifique o Documento!
a. Descreva a figura (personagens, ambientação, busque
pormenores)
b. Resuma o significado da obra.
c. Trata-se de uma fonte primária ou secundária?
B) Analise o Documento
a. Quando a obra foi executada? Busque o contexto
b. Onde a obra foi feita?
c. Quem fez a obra?
d. De quem a obra fala? Qual a ligação do pintor com os
personagens representados?
C) Qual sua opinião sobre o documento
Exercícios
1) Observe a fonte histórica a seguir:
Lei nº 3.353, de 13 de Maio de 1888.
DECLARA EXTINTA A ESCRAVIDÃO NO BRASIL
A PRINCESA IMPERIAL Regente em Nome de Sua Majestade o
Imperador o Senhor D. Pedro II, Faz saber a todos os súditos do IMPÉRIO que a
Assembléia Geral Decretou e Ela sancionou a Lei seguinte:
Art. 1º - É declarada
extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil.Art. 2º - Revogam-se as disposições em contrário.
Manda portanto a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém.
O Secretário de Estado dos Negócios d'Agricultura, Comércio e Obras Públicas e Interino dos Negócios Estrangeiros Bacharel Rodrigo Augusto da Silva do Conselho de Sua Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e correr.
Dado no Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de Maio de 1888 - 67º da Independência e do Império.
Carta de Lei, pela qual Vossa Alteza Imperial manda executar o Decreto da Assembléia Geral, que Houve por bem sancionar declarando extinta a escravidão no Brasil, como nela se declara.
Para Vossa Alteza Imperial ver.
Atividade
A) Leia o texto e decomponha seus elementos:
a. identifique as palavras cujo significado pareça difícil
ou seja desconhecido (sublinhe-as ou escreva-as);
b. identifique os nomes próprios;
c. pesquise o significado das palavras-chave ou das que você
considere importantes;
d. identifique alusões a acontecimentos ou personagens;
e. resuma as idéias essenciais de cada frase ou parágrafo.
B) Analise o documento:
a. quando - O texto é contemporâneo do fato reportado? Qual
a situação do momento apresentado no texto?;
b. onde - De qual espaço fala o texto?;
c. quem - Quem é o autor? Seu testemunho é direto ou
indireto? Qual a situação de vida do autor?;
d. de quem - De quais personagens fala o autor?;
e· qual a natureza do texto - O texto é destinado a uso
público? Se for, qual tipo de documento é: jurídico (lei, relatório, decreto ou
constituição), literário (romance ou poema), político (discurso, memória,
relato de viagem, entrevista), artigo de imprensa ou anúncio publicitário? Ou o
texto é destinado a uso pessoal ou privado? Se for, de qual tipo é (diário
pessoal, carta, relatório secreto ou outro tipo de documento familiar)?
C) Opine sobre o documento:
a. procure estabelecer relações entre o conteúdo do texto e
seus conhecimentos históricos. Organize sua opinião em duas partes: uma para as
idéias do texto e outra para seus conhecimentos e suas opiniões;
b. evite copiar frases ou parágrafos do texto ou fazer
resumo;
c. procure evitar a armadilha de opiniões sem fundamento ou
sem relação com as idéias expressas no documento.
2) Observe a fonte histórica a seguir:
A primeira missa do Brasil – Victor Meirelles – 1861
Essa obra já esteve em exposição no Museu Oscar Niemeyer (MON) em
Curitiba
A) Identifique o Documento!
a. Descreva a figura (personagens, ambientação, busque pormenores)
b. Resuma o significado da obra.
c. Trata-se de uma fonte primária ou secundária?
B) Analise o Documento
a. Quando a obra foi executada? Busque o contexto
b. Onde a obra foi feita?
c. Quem fez a obra?
d. De quem a obra fala? Qual a ligação do pintor com os
personagens representados?
C) Qual sua opinião sobre o documento