domingo, 13 de março de 2016

[História da Educação] O positivismo na História

Positivismo (Historicismo) de L. von Ranke

A história historicista ou o positivismo na História: influências do positivismo na História e na História da Educação.


Leopold Von Ranke


A História ‘dita’ científica nasce ao mesmo tempo a concepção positivista de ciência.  Essa concepção tenta conceber um método coincidente entre as ciências humanas e as ciências naturais. Portanto, para que a História seja uma ciência é necessário narrar um fato histórico com a mesma exatidão que se faz uma conta de 2+2.
Assim, o positivismo baseia-se no que se chama de “empirismo”, ou seja, na busca por provas e evidências na realidade concreta. Para se obter tal viés, é necessário estabelecer um critério de objetividade, uma metodologia de escolha das fontes históricas que fundamentam a narrativa História para que seja verdadeira e válida, distinguindo-se de formas de narrativa que não o são. Por fim, a partir dessas provas objetivas da História é possível generalizar a própria existência humana, criando leis e obtendo prévias do que será o futuro.


Teses sobre a História de L. Von Ranke

1. Não há nenhuma interdependência entre o sujeito conhecedor (que é o historiador) e o objeto do conhecimento (que é o fato histórico), por hipótese, o historiador escapa a qualquer condicionamento social o que lhe permite ser imparcial na percepção dos acontecimentos.
2. A História existe em si, objetivamente, tem mesmo uma dada forma, uma estrutura definida, e que é diretamente acessível ao conhecimento.
3. A relação cognitiva é conforme a um modelo mecanicista. O historiador registra o fato histórico de maneira passiva, como o espelho reflete a imagem do objeto.
4. Incumbe ao historiador não julgar o passado nem instruir seus contemporâneos, mas simplesmente dar conta do que realmente se passou.
5. A Ciência positiva pode atingir a objetividade e conhecer a verdade da História.

BOURDÉ, Guy; MARTIN, Hervé. As escolas históricas. (Trad. Ana. Rabaça). Mem Martins (Portugal): Publicações Europa-América, 1990. (pp.112-8)

A objetividade em história

Foi erradamente que se classificou e ainda se classifica a escola histórica, que se impõe em França entre 1880 e 1930, de corrente «positivista». Com efeito, a autêntica história positivista foi definida por L. Bourdeau em A História e os Historiadores; ensaio crítico sobre a história considerada como ciência positiva, publicada em 1888. Como bom discípulo de A Comte, L. Bourdeau coloca-se num plano filosófico. A história, na sua opinião, é «a ciência dos desenvolvimentos da razão»; tem por objeto «a universalidade dos fatos que a razão dirige ou de que sofre a influência». A história, tomando o modelo na sociologia, deve estudar o movimento da população, a organização do parentesco, a forma do habitat, o modo de alimentação; mais geralmente, todas as atividades humanas, em todas as suas dimensões. Em contra partida, esta disciplina pode desprezar os acontecimentos singulares e os personagens ilustres: «é preciso que os aristocratas da glória se apaguem cada vez mais perante a importância das multidões... Ocupemo-nos das massas» (este gênero de concepção, que visa a «totalidade», que recusa «o acontecimento», não desagradaria à escola dos «Annales». Fiel ao pensamento de A Comte, L. Bourdeau fixa à história científica o objetivo de «investigar as leis que presidem ao desenvolvimento da espécie humana». Estas leis podem ser classificadas em três grupos: 1) as leis de ordem, que mostram a semelhança das coisas; 2) as leis de relação que fazem com que «as mesmas originem os mesmos efeitos»; 3) a lei suprema, que regula o curso da história. Em suma, trata-se de uma filosofia da história firmemente determinista, pretendendo ao mesmo tempo reconstituir o passado e prever o futuro.
Ora, o programa de L. Bourdeau situa-se no oposto do projeto comum a G. Monod, E. Lavisse, Ch. V. Langlois, Ch. Seignobos e amigos. No manifesto que inaugura A Revista Histórica em 1876, G. Monod emprega bem a fórmula «ciência positiva», mas num sentido muito afastado da doutrina comtista: (A nossa Revista será uma recolha de ciência positiva e de livre discussão; todavia, não abandonará o domínio dos fatos e permanecerá fechada às teorias políticas e filosóficas». Por altura da publicação da obra de L. Bourdeau, G. Monod parece muito reticente a seu respeito; afirma então: «A história nunca será se não uma ciência descritiva que opera sobre elementos sempre fugitivos, em mutação e em devir perpétuos. Quando muito, poder-se-ia compará-lo à meteorologia» (RH, 1888, nº3, p. 385). Todavia, alguns anos depois, quando se inicia um debate sobre o papel das ciências sociais nas novas universidades, G. Monod revê o seu juízo sobre L. Bourdeau: «Os livros deste autor não têm toda a fama que merecem... A sua obra chegará quando se convencerem em França, como se está já convencido nos Estados Unidos, de que a ciência social é não apenas a base sólida da história, mas a parte essencial da história. Espantam-se que a França seja o país onde as visões geniais de A. Comte sobre a sociologia tenham até aqui dado menos frutos» (RH, 1986, nº 2, p. 92). G. Monod mostra-se conciliador porque está preocupado em ligar a história às outras ciências humanas ao nível do ensino superior. Não é seguido pelos seus próximos. Ch. V. Langlois e Ch. Seignobos recusam qualquer referência à «filosofia positiva» e defendem um empirismo rigoroso na sua Introdução aos estudos históricos, em 1898.
Na realidade, os adeptos da escola metódica não tiraram a inspiração do francês Auguste Comte, mas do alemão Leopold Von Ranke. A seguir à guerra, 1870-1871, vários jovens historiadores franceses - G. Monod, E. Lavisse, C. Jullian, Ch. Seignobos e outros - foram completar a sua formação em centros de investigação e de ensino além-Reno. Pensaram que a vitória da Alemanha se explicava pela perfeita organização das suas instituições militares, civis, intelectuais; que convinha observar e depois imitar estas realizações exemplares para assegurar a reparação da França. Foi assim que se impregnaram das obras dos eruditos alemães, dos Mommsen, Sybel, Treischke, Waitz, Delbruc, etc.; e que foram buscar o modelo aos programas, aos métodos e às estruturas das universidades alemãs. Em 1896, Camille Jullian admite o valor do sistema germânico ao mesmo tempo que contesta uma pretensa inferioridade francesa: «A Alemanha vence-a pela solidariedade e a coesão...; faltar-nos-á sempre esse espírito de disciplina que têm lá... contudo, a história na Alemanha esboroa-se e esmigalha-se...; não é já superior à história em França». Assiste-se a um fenômeno curioso em matéria de difusão das idéias. A escola francesa tira da escola alemã uma doutrina cientista que funda uma prática histórica, sem ousar assinalar as suas origens, nem por vezes enunciar os seus princípios, por um reflexo de «pudor nacionalista».
É portanto necessário voltar à fonte. Em meados do século XIX, as teses de L. Von Ranke puseram em causa as filosofias da história, de bom grado «especulativas», «subjectivas» e «moralizadoras»; e avançaram fórmulas «científicas», «objectivas» (ou «positivas») que influenciaram duas ou três gerações de historiadores ao princípio na Alemanha, em seguida em França.
Os postulados teóricos de V on Ranke encadeiam-se da maneira seguinte: 1.ª regra: incumbe ao historiador não «julgar o passado nem instruir os seus contemporâneos mas simplesmente dar conta do que realmente se passou»; 2.ª regra: não há nenhuma interdependência entre o sujeito conhecedor – o historiador - e o objeto do conhecimento - o fato histórico, por hipótese o historiador escapa a qualquer condicionamento social que lhe permite ser imparcial na percepção dos acontecimentos; 3. ª regra: A história - o conjunto das res gestae - existe em si, objetivamente tem mesmo uma dada forma, uma estrutura definida, que é diretamente acessível ao conhecimento; 4.ª regra: a relação cognitiva é conforme a um modelo mecanicista. O historiador registra o fato histórico de maneira passiva, como o espelho reflete a imagem de um objeto, como o aparelho fotográfico fixa o aspecto de uma cena ou de uma paisagem; 5. ª regra: a tarefa do historiador consiste em reunir um número suficiente de dados, assente em documentos seguros, a partir destes fatos, por si só, o registro histórico organiza-se e deixa-se interpretar. Qualquer reflexão teórica é inútil, mesmo prejudicial, porque introduz um elemento de especulação. Segundo Von Ranke, a ciência positiva pode atingir a objetividade e conhecer a verdade da história.
A escola metódica, aplicando à letra o programa e Von Ranke, faz verdadeiramente progredir a historiografia em França. Todavia, ao observar a sua obra, tem-se uma sensação de mal-estar. Porque a contradição é evidente entre os princípios declarados e as realizações efetivas. Em 1876, G. Monod proclama a sua neutralidade: «O ponto de vista estritamente científico em que nos colocamos bastará para dar à nossa recolha a unidade de tom e de caráter... Não professaremos qualquer credo dogmático; não nos alistaremos sob as ordens de nenhum partido...» Em 1898, Ch. V. Langlois e Ch. Seignobos afastam qualquer especulação «sobre a causa primeira e as causas finai», qualquer reflexão sobre a natureza das sociedades; e acham com uma certa ingenuidade, que «a história será constituída... quando todos os documentos tiverem sido descobertos. purificados e postos em ordem». Ora, ao mesmo tempo, A Revista Histórica toma posição a favor dos governos oportunistas; procura querelas com a Igreja católica, monárquica e ultramontana; defende a escola laica, gratuita e obrigatória. E. Lavisse, através da sua monumental História de França, cria o mito de um Estado-Nação, que toma forma entre o tempo dos Gauleses e o tempo dos Merovíngios, consolida-se graças às medidas administrativas e às conquistas militares dos Capetos e culmina numa constituição ideal: a República democrática, moderada e centralizadora. Os manuais escolares, sobretudo, diretamente inspirados pelos notáveis universitários, não hesitam em fazer o elogio da Terceira República, para alargar ao futuro a sua clientela eleitoral, portanto reforçar a sua base social; excitam permanentemente o sentimento patriótico, celebrando o culto dos heróis nacionais a fim de preparar a nova geração para a vingança contra o inimigo hereditário, o Bárbaro germânico; e justificam, a coberto de uma missão civilizadora, a expansão colonial da França. Nestas condições, a ciência histórica. Que pretende a imparcialidade, a objetividade. revela-se um discurso ideológico que serve os  interesses de um regime político ou manifesta as aspirações de uma comunidade nacional.

Os positivistas

Leopold von Ranke
O homem comumente considerado fundador do historicismo e que, de fato, seria o divulgador dos novos métodos "científicos" da história, é Leopold von Ranke (1795-1886). Procedente de uma família de pastores luteranos, publicou Histórias dos povos românicos e germânicos de 1494 a 1514, em 1824, quando ainda não tinha trinta anos. Com a obra, alcançou uma reputação que lhe abriria as portas da universidade de Berlim, onde auxiliaria a combater as idéias hegelianas. Esse seu primeiro livro continha, no apêndice, uma "crítica aos historiadores modernos", dirigida contra a filosofia histórica da Ilustração, que já mostrava as grandes linhas da cruzada metodológica que deveria manter ao longo da vida. No entanto, uma frase do prefácio desse mesmo livro iria criar um equívoco que ainda persiste. O jovem historiador, fazendo um exercício de modéstia, dizia que, ainda que a história tenha "a missão de julgar o passado e de instruir o presente em benefício do futuro", o livro não tinha esta pretensão, contentando-se em "mostrar as coisas tal e como se passaram". A frase - Er will bloss zeigen wie es eigentlich gewesen - foi tirada do contexto injustificadamente e interpretada como uma declaração metodológica, sendo, desde então, repetida com entusiasmo pelos exércitos de historiadores acadêmicos que acreditaram que ela legitimava a incapacidade, moral ou intelectual, deles pensarem por conta própria. O engano chegou ao extremo de apresentar como um dos grandes méritos de Ranke, como diz Gooch, o ter "separado o estudo do passado, tanto quanto possível, das paixões do presente para escrever as coisas tal e como foram". Deixando de lado que o próprio Ranke repetiu uma ou outra vez que a missão da história "não consiste tanto em reunir e buscar fatos como em entendê-los e explicá-los", sua biografia e sua obra - muito mais invocada que lida, salvo alguns breves textos programáticos - desmentem o mito do "wie es eigentlich gewesen". Retirado de "http://pt.wikipedia.org/wiki/Leopold_von_Ranke"

A seguir um trecho de Texto de Leopold Von Ranke sobre o processo de colonização.






Texto complementar

RANKE, Leopold Von. História. (org. da coletânea Sergio Buarque de Hollanda). São Paulo: Ática, 1979. (pp. 78-9)

Justamente, de um pensamento como esse veio a nascer o princípio da – colonização. O livro seguinte há de mostrar a relação dupla entre os grandes descobrimentos e a obra colonizadora e a guerra contra os mouros. Das campanhas na África surge o projeto da índia e ganha incremento novo. A aspiração de defender e disseminar o cristianismo.
As pretensões portuguesas visam à celula-mater do Islão; queriam vingar Jerusalém em Meca. Seus triunfos inspiram-se, novamente, do entusiasmo que outrora animou os peregrinos da Palestina. Por sua vez, as campanhas ultramarinas dos espanhóis, dirigidas contra pagãos não-maometanos, vieram renovar e acentuar o ideal das Cruzadas do norte; uma doação do papa e a declaração de que "o inimigo deve ser convertido ao cristianismo ou exterminado", conferiram plenos direitos a esses desígnios. Usaram mesmo a cruz vermelha dos cruzados aqueles camponeses que Bartolomé de Las Casas queria levar até Cumana, movido de intenções bem mais pacíficas. De fato, na Espanha e em  Portugal os movimentos da migração dos Povos, das Cruzadas e da colonização, formam um sucesso único e sem interrupção. As populações ibéricas, a exemplo daquelas que, das Astúrias, desceram pelas montanhas até os litorais andaluzos e africanos, atingem em 1507 Almeria e em 1512 Orã, para dar seguimento, então, à sua obra em terras de além-oceano. Os espanhóis reputam seu principal mérito o ter instalado lá os filhos e netos de excelsas casas castelhanas em substituição a povos que consideravam bárbaros. Cinco milhões de habitantes das Índias de Castela são espanhóis legítimos. No Brasil, há um milhão de portugueses; outro milhão, ainda que de sangue mesclado com o do indígena, vive nas costas da África e das Índias Orientais. Tão densa sementeira .de europeus pode ser considerada uma vasta migração. Outra idéia que inspira a colonização, ligando-a às Cruzadas, é a da divulgação do cristianismo. E  mais outra, uma terceira, própria e característica do povo luso-espanhol, é a idéia da descoberta de novos mundos. Por si só constitui um dos maiores feitos da Humanidade e acabará por abranger a Terra toda. Nasceu, não obstante, e foi nutrida pela cobiça das especiarias da Índia, do ouro das Américas, das pérolas de mares desconhecidos, dos interesses do comércio mundial.
Seria desnecessário querer descrever a participação de nossos povos romano-germânicos em tais realizações (dos italianos, por exemplo, nos descobrimentos); e não é precisa apresentar prolixas provas para apresentar prolixas provas para indicar que elas lhes couberam com exclusividade. Houve ocasiões, sem dúvida, em que essas tendências repercutiram em outras nações, empenhadas em missões essencialmente diferentes. Nada pode revelar tão clara e precisamente a unidade de um povo como o que o fez em comum. E de que outro modo a afinidade e solidariedade entre povos diversos poderiam ter tido expressão mais atuante do que a obtida por nossa gente? Os movimentos aqui relatados, não obstante os longos séculos em que se desenvolveram, são comuns a todos eles; ligam entre si os fatores tempo e povo, constituindo, por assim dizer, as três - aspirações maiores dessa comunhão sem par.

A Escola Metódica Francesa seguiu os princípios da metodologia histórica Rankeana. A seguir um documento da Revista Histórica, revista que durante anos foi o principal meio de divulgação dos historiadores positivistas na França.

DOCUMENTO - G. Monod: Os princípios da «Revista Histórica»

Pretendemos permanecer independentes de qualquer opinião política e religiosa, e a lista dos homens eminentes que quiseram conceder o seu patrocínio à Revista prova que julgam este programa realizável. Estão longe de professar todos as mesmas doutrinas em política e em religião, mas pensam conosco que a história pode ser estudada em si mesma, e sem se preocupar com as conclusões que podem ser tiradas a favor ou contra esta ou aquela crença. Sem dúvida as opiniões particulares influenciam sempre numa determinada medida a maneira como se estuda, como se vê e como se julgam os factos ou os homens. Mas devemos esforçar-nos por afastar estas causas de prevenção e de erro para só julgarmos os acontecimentos e os personagens em si mesmos. Admitiremos aliás opiniões e apreciações divergentes, com a condição de que sejam apoiadas em provas seriamente discutidas e em fatos, e que não sejam simples afirmações. A nossa Revista será uma coletânea de ciência positiva e de livre discussão, mas encerrar-se-á no domínio dos fatos e permanecerá fechada às teorias políticas ou filosóficas. Portanto não teremos nenhuma bandeira; não professaremos nenhum credo dogmático; não nos alistaremos sob as ordens de nenhum partido; o que não quer dizer que a nossa Revista seja uma «BabeI» onde todas as opiniões virão manifestar-se. O ponto de vista estritamente científico onde nos colocamos bastará para dar à nossa coletânea a unidade de tom e de caráter. Todos aqueles que se colocam neste ponto de vista têm em relação ao passado um mesmo sentimento: uma simpatia respeitosa, mas independente. O historiador não pode com efeito compreender o passado sem uma certa simpatia, sem esquecer os seus próprios sentimentos, as suas próprias idéias para se apropriar por um instante dos homens de outrora, sem se pôr no seu lugar, sem julgar os fatos no meio onde se produziram. Aborda ao mesmo tempo esse passado com um sentimento de respeito, porque sente melhor do que ninguém os mil laços que nos ligam aos antepassados; sabe que a nossa vida é formada pela sua, as nossas virtudes e os nossos vícios das suas boas e das suas más acções, que somos solidários de umas e das outras. Há algo de filial no respeito com que ele procura penetrar na sua alma; considera-se como o depositário das tradições do seu povo e das da humanidade. Ao mesmo tempo, o historiador conserva todavia a perfeita independência do seu espírito e em nada abandona os seus direitos de crítico e de juiz. As tradições antigas dos elementos mais diversos, são o fruto de uma sucessão de períodos diferentes, mesmo de revoluções, que, cada uma no seu tempo e por sua vez, tiveram todas a sua legitimidade e utilidade relativas. O historiador não é o defensor de umas contra as outras; não pretende suprimir umas da memória dos homens para dar às outras um lugar imerecido. Esforça-se por discernir as suas causas, definir o seu caráter, determinar os seus resultados no desenvolvimento geral da história. Não põe um processo à monarquia em nome da feudalidade, nem a 89 em nome da monarquia. Mostra os laços necessários que ligam a Revolução ao Antigo Regime, o Antigo Regime à Idade Média, a Idade Média à Antiguidade, notando sem dúvida os erros cometidos e que é bom conhecer para evitar o seu regresso, mas lembrando-se sempre de que o seu papel consiste antes de tudo em compreender e em explicar, não em louvar ou em condecorar (...) A nossa época, mais do que qualquer outra, é própria para este estudo imparcial e simpático do passado. As revoluções que abalaram e perturbaram o mundo moderno fizeram dissipar-se nas almas os respeitos supersticiosos e as venerações cegas, mas fizeram compreender ao mesmo tempo tudo o que um povo perde de força e de vitalidade quando rompe violentamente com o passado. No que respeita especialmente à França, os acontecimentos dolorosos que criaram na nossa Pátria partidos hostis ligando-se cada um a uma tradição histórica especial, e aqueles que mais recentemente mutilaram a unidade nacional lentamente criada pelos séculos, criam-nos o dever de despertar na alma da nação a consciência de si mesma pelo conhecimento aprofundado da sua história. E apenas por isso que todos podem compreender o laço lógico que liga todos os períodos do desenvolvimento do nosso país e mesmo todas as suas revoluções; é por isso que todos se sentirão os rebentos do mesmo solo, os filhos da mesma raça, não renegando nenhuma parte da herança paterna, todos filhos da velha França, e ao mesmo tempo todos cidadãos pela mesma razão da França moderna. E assim que a história, sem se propor outro fim e outro objetivo a não ser o lucro que se tira da verdade, trabalha de uma maneira secreta e segura para a grandeza da Pátria ao mesmo tempo que para o progresso do gênero humano.

A Revista Histórica, n.º 258, Abril-Junho de 1976, pp. 322-324 (extractos) (Retomada do texto original do «Manifesto», de 1876: G. Monod, «Do progresso dos estudos históricos em França»)

Exercícios

A) Para o positivismo histórico é correto afirmar:
01) Somente provas escritas e de fontes confiáveis podem ser utilizadas
02) O historiador deve pintar uma tela de um quadro como se fosse um artista e não tirar uma foto da realidade como uma máquina fotográfica
04) O passado não deve ser julgado, apenas exposto objetivamente.
08) A História começa onde começa a escrita, antes existe somente a pré-história.
16) A história das fontes, que relata as principais fontes jurídicas, e a história da dogmática, que relata as principais decisões de tribunais, são as manifestações do positivismo histórico na História do Direito.
32) A maioria dos manuais e livros de direito não se utilizam dessa forma de ver a História.

B) Extraia no texto de Leopold Von Ranke sobre “Colonização” três passagens que demonstram a concepção positivista de História, justificando os motivos da escolha.

C) Compare o documento “Os princípios da «Revista Histórica»” com os pressupostos da história rankeana.

CRÍTICAS AO POSITIVISMO

BOURDÉ, Guy; MARTIN, Hervé. As escolas históricas. (Trad. Ana. Rabaça). Mem Martins (Portugal): Publicações Europa-América, 1990. (pp.112-8)

(...) Assentando em fundamentos pouco estáveis e acomodando-se com graves contradições, a escola metódica não tardou a ser atacada de todo o lado. A partir dos anos 1920, em A Revista de Síntese, depois, durante os anos 1930, nos «Annales», L. Febvre, M. Bloch e os amigos atacam os herdeiros de E. Lavisse, Ch. Seignobos, L. Halphen, Ph. Sagnac e outros que ocupam então funções importantes nas universidades. O grupo dos «Annales» dirige à história tradicional - dita «historizante» - quatro críticas principais: 1) A história historizante só dá atenção aos documentos escritos, aos testemunhos voluntários, (decretos, cartas, relatórios, etc.), ao passo que os documentos não escritos, ou testemunhos involuntários (vestígios arqueológicos, séries estatísticas, etc.) informam igualmente sobre as atividades humanas. 2) A história historizante acentua o acontecimento, o fato singular, verificado num tempo curto (por exemplo, o combate de Fontenoy), ao passo que é mais interessante apreender a vida das sociedades, a qual se desvenda por fatos vulgares, repetidos, que se desenrolam num tempo longo (por exemplo, a cultura do trigo), 3) A história historizante privilegia os fatos políticos, diplomáticos e militares (como o assassinato de Henrique IV, a paz de Westfália ou a batalha de Austerlitz) e despreza, erradamente, os fatos econômicos, sociais e culturais (como a inovação do moinho de vento, os direitos senhoriais ou a religiosidade jansenista), 4) A história historizante, «a dos vencidos de 1870», tem «prudências, vacilantes»: receia empenhar-se num debate, arrisca raramente uma interpretação, renuncia previamente a qualquer síntese. Todavia, a escola dos «Annales» não coloca a questão da objetividade em história; não nota a discordância, a incompatibilidade entre o voto da neutralidade científica e o preconceito político dos historiadores da escola metódica.
O pensamento «relativista» -ou «presentista» - que se exprime nomeadamente na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos nos anos 1930 a 1940, faz uma crítica mais radical da historiografia «positivista» ao contestar os pressupostos teóricos de Von Ranke. Ch. Beard considera que a pretensão cientista traduz urna opção ideológica: «Que é feito desse historismo que permitia ao historiador imaginar que se pode conhecer a história tal corno se desenrolou realmente? Essa filosofia - porque esta corrente é uma filosofia, mesmo se negava a filosofia - sofreu um fracasso» (The American Historical Review, 1937, voI. LXIII, n.º 3, p. 81). A tendência relativista considera inteiramente falsa a teoria positivista do conhecimento segundo a qual o sujeito reflete apenas a imagem do objeto; faz valer que, no seu trabalho, o historiador nunca tem uma posição passiva, contemplativa, mas sempre uma atitude ativa, construtiva. Ch. Oman afirma: ..A história não é uma questão puramente objetiva; é a maneira como o historiador compreende e põe em relação urna série de acontecimentos» (On the Writing of History, 1939, p. 7). R. G. Collingwood também crê que o historiador opera uma seleção deliberada na massa dos fatos históricos; e que é levado, necessariamente, a descrever o passado em função do presente: ..O pensamento histórico é uma atividade da imaginação... Tende-se para reconstituir o passado em relação ao presente... Em matéria de história, nenhuma aquisição é definitiva. Um testemunho, válido num dado momento, deixa de o ser assim que se modificam os métodos e assim que mudam as competências dos historiadores» (A Idéia de História, 1946, pp.247-248). C. Becker leva ao limite a lógica do presentismo: ...Cada século reinterpreta o passado de maneira a que este sirva os seus próprios fins... O passado é um gênero de painel sobre o qual cada geração projeta a sua própria visão do futuro; e, enquanto a esperança viver no criação dos homens, as 'histórias novas' suceder-se-ão» (Everyman his own Historian, 1935, pp.167-170). Este relativismo leva a duvidar da possibilidade de fundar uma ciência da história.
O materialismo histórico não dá razão ao «positivismo» seguro de atingir a objetividade, e o «presentismo», preocupado em mostrar o papel da subjetividade. A partir de 1846, nos manuscritos de A Ideologia Alemã, K Marx interrogou-se sobre o processo do conhecimento; a este respeito, pôs em evidência dois mecanismos fundamentais. Por um lado, o indivíduo que torna consciência é socialmente determinado: «São os homens que são os produtores das suas representações, das suas idéias... mas os homens reais, atuantes, tal como são condicionados por um desenvolvimento determinado das suas forças produtivas e das relações que lhes correspondem». Por outro, o conhecimento é uma atividade não abstrata mas concreta; está ligado a uma práxis: «O principal defeito até aqui de todos os filósofos... é quê, para eles, a realidade e o mundo sensível só são compreendidos sob a forma de objeto ou de intuição mas não enquanto atividade humana concreta, não enquanto prática» («Teses sobre Feuerbach»). Conseqüentemente, o sujeito conhecedor não poderia ser espontaneamente imparcial dado que pertence a um grupo profissional, a uma classe social, a uma comunidade nacional cujas opiniões, consciente ou inconscientemente pode exprimir e cujos interesses pode defender. O que explica, por exemplo, que as posições ideológicas dos historiadores da história metódica reflitam, confirmem, defendam as orientações políticas dos meios burgueses, republicanos e liberais. Diferentemente dos presentistas, que se contentam com urna reconstituição do passado subjetiva e temporária, os marxistas esperam atingir uma compreensão, científica e objetiva, da evolução das sociedades humanas, tendo em conta as determinações sociais do conhecimento, utilizando os conceitos do materialismo histórico... e colocando-se «sob o ponto de vista de classe do proletariado» .